eu quase não assisti ao velório do michael jackson ontem. quase.
mas parei e vi. é um marco para a minha geração, eu acho. até mais do que para a geração mais velha do que a minha, que o viu no jackson five.
michael jackson começou a existir, para mim, quando eu vi beat it no fantástico.
e eu cheguei a fazer parte de fã-clube dele aos 13, 14 anos. e ganhei um pôster, já na fase Bad, quando tinha 15 anos.
ontem eu vi o quão grandioso é seu legado musical. e o quanto o resto da família jackson é devedora a ele. sem o michael, sem a sua força, presença, sem seu gênio artístico, nada disso teria acontecido. todos os outros funerais da família serão irrelevantes em comparação ao do filho que era rei.
eu continuo achando que ele era uma pessoa muito doente. uma pessoa que, em algum momento de sua vida, fez "clek" e quebrou. uma parte cresceu, dominou, encantou o mundo: era o artista. a pessoa, o menino obrigado a crescer antes do tempo, o menino que apanhou e foi ridicularizado, esse menino não cresceu, não superou, não revidou. cristalizou-se numa infantilidade doentia, numa negação do espelho, em comportamentos estranhos e escolhas equivocadas.
ambos morreram ontem. mas o que eu vi no funeral foi o resgate do michael jackson como homem negro. as fotos da infância, as fotos da juventude. poucas fotos mais novas. era um homem negro que morria. a sua família estava lá, homens e mulheres enlutados. e seus três filhos, três crianças lindas, acachapadas pela morte do pai, pelas luzes, pelo espetáculo.
eu perdi meu pai. eu sei o que é essa dor. mas eu não sei o tamanho da dor de uma menina de onze anos que perde não só o pai, mas perde tudo, pois não tem mãe. tem tios, tias, avós, primos. mas os filhos de michael jackson não têm mãe. e a perda é completa, é definitiva.
no enterro do meu pai eu fiquei séria. eu fiquei extremamente preocupada com minha mãe e me tornei um pit bull em defesa dela. fechei a cara, fiquei em pé e pus a mão no ombro dela. as pessoas comentavam. meu pai estava morto, cabia a mim defendê-la da morte dele.
quem defenderá, agora, paris, prince e blanket das dores da vida? quem vai orientar? quem vai ouvir? quem vai ensiná-los a se defender sem que precisem se partir em dois, como o pai, para sobreviver?
eu assisti, com respeito, com vergonha, me arrepiando, chorando. considerei algumas coisas desnecessárias. Que os filhos do martin luther king me perdoem, mas eu achei um insulto compararem o grande dr. king ao michael. a grande luta pela qual martin luther king deu a vida não se compara com música pop.
será que o retorno dele o faria superar piadas e acusações e recuperar o respeito do mundo? não sei. mas ontem, em seu velório, esse respeito o envolveu. não apenas pelo respeito que se deve a quem morreu, mas a justa homenagem a um talento inigualável.
bons sonhos, michael.