foi a primeira vez que eu estive em um enterro desde o começo. assinei papéis. escolhi, junto com a irmã dele, a roupa que ele vestiu. levei seu perfume predileto e um par de sapatos que ele não usou. protegi a irmã dele de tudo que pude. reconheci seu corpo pelas mãos.
é tão, tão estranho, sua pele tão fria. mandei que colocassem a dentadura, ele estava com o rosto murchinho sem ela. ele tão cinza. recebi as pessoas. abracei, fui apresentada a uns, vi primos, amigos de trabalho, até o camelô onde ele sempre comprava bobaginhas. chegaram coroas de flores. uma colega de trabalho chorou tanto, acho que eles namoraram um tempo.
fizeram uma prece, falaram coisas bonitas. a pessoa que fez a prece não conhecia meu sogro, cheio de vida e gritos, de vontades, de ordens, de presentes, de risadas. meu sogro, uma força da natureza.
"ele parece tão pequeno", disse o fred.
foi triste.
foi sereno.
o enterro foi lá no catumbi, o cemitério fica numa ladeirona. subi a ladeira com o fred, o pessoal foi de carrinho, como os carrinhos dos aeroportos. ele foi enterrado numa gaveta, num canto feio e cheio de mosquitinhos de flor.
voltamos para casa, a tia foi para a casa que era dele, agora sem ele.
eu e fred viemos para nossa casa, descansamos. eram duas e meia da manhã quando o telefone tocou.