98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

12.6.02

sei que está um dia atrasada, mas vai assim mesmo: coluna de Ana Cristina Reis, do Globo

Maridão sueco

Esta Copa está me engordando e empobrecendo. Se o jogo está mais ou menos, fazer o quê? Não dá para telefonar para a irmã e acordar o cunhado boa-praça. Aproveitar para ler não resolve — se o livro for bom vou me envolver e corro o risco de perder um gol. Então, fazer o quê? Comer. E não é qualquer coisa, não. É salmão dinamarquês, queijinho francês, presunto espanhol.

Esta Copa também está me enlouquecendo. Descobri que dormir picadinho tem para mim efeito devastador. Só a esquizofrenia, que é a assintonia das funções psíquicas, disto decorrendo fragmentação da personalidade e perda de contato com a realidade, pode explicar meus sonhos ultimamente. Um deles, em particular, foi cheio de detalhes — o do maridão sueco.

A Suécia do meu sonho não é high tech, campeã de uso de celulares, de produção de energia nuclear, de gente conectada à internet, a nação que é 85% urbana. Nem é a da monarquia prafrentex de Carlos Gustavo e Sílvia, que adoram pescar na Amazônia e enfrentam, com garbo, cavalgadas, feijoada ao ar livre e caipirinhas. Minha Suécia é a do campo e das cabanas de troncos.

No sonho, sou casada com um madeireiro, mãe de três filhinhos remelentos e encantadores, subo montanha para tirar leite das vacas, faço o pão, coleciono presilhas para o cabelo (na cena é vasta cabeleira ruiva-acastanhada, sempre cheirando a alfazema, sempre refletindo os raios de sol, igualzinho aos romances de banca de jornal), não tenho TV em casa e o meu passatempo favorito — e único — é fazer amor com meu marido, senhor peludo e pesado, que tem a cara do capitão do time da seleção sueca nesta Copa: o barbado zagueiro Johan Mjallby, camisa número quatro.

Johan usa camisa de flanela com estampa quadriculada, prefere carne a peixe — apesar dos cem mil lagos da Suécia — e, quando chega suado da floresta, seus cabelos têm cor de leite queimado e suas mãos, cheiro de bosque úmido.

Meu maridão é do tipo calado, mas não pense que ele é profundo ou deprimido como os personagens dos filmes de Ingmar Bergman e Lasse Hallström. Ele apenas não é muito de falar, mas sei que se orgulha dos antepassados vikings. Aliás, segundo Johan seus parentes não eram os vikings piratas, mas os comerciantes e conquistadores. E acredito, é claro, porque estou sonhando e estou apaixonada. Não fosse isso, talvez perguntasse se é mito a imagem de vikings com capacetes enfeitados com chifres.

Só duas coisas tiram Johan do sério: meias de lã molhadas e gravlax . Hum, parece nome de remédio, mas gravlax é salmão fresco prensado, temperado com sal, mostarda, aneto e aguardente. Não me pergunte como isso surgiu no sonho, talvez os tempos reais de leitura do “The world atlas of food” tenham me marcado. O fato é que outro prato típico, bem distinto, é o preferido do maridão sueco nesse devaneio em tecnicolor: ganso assado servido com ameixas e maçãs cozidas. Mas o melhor você não sabe. Imagina o que vem antes desse ganso? Sopa de miúdos com sangue de ganso. Johan pode ser caladão, mas que saúde.

***

Amanhã tem Suécia e Argentina... Penso nas boas lembranças que guardo de Buenos Aires: o melhor sorvete de doce de leite do mundo, a melhor salada de centolla (caranguejo gigante) do mundo, carnes memoráveis e um show do Nestor Marconi Trio, no Club del Vino, que me levou às lágrimas. No hotel, gente competente e simpática. No bar em Porto Madero, homens que olhavam para as mulheres. Ops, é a nostalgia tomando conta. Mas por fidelidade ao marido do sonho, amanhã é Suécia.