98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

7.2.02

fred escreveu

Rapto, abdução, seqüestro !


Assisti hoje a entrevista ao vivo do Washington Olivetto.
Impressionante a transformação de quem sofre tal 'prolongada' violência.

Diferente de um assalto ou qualquer outra violência 'frugal', onde o agressor (perpetrante) interage por segundos, minutos ou horas com a vítima; o cativo, o seqüestrado, se relaciona com seu aprisionador experimentando o aprendizado da repentina necessidade da sobrevivência.

É aí que eu vejo ocorrer a revelação.

Parece que na tentativa de reter (reverter) um pouco de seu 'eu', o capturado 'expande' esta característica alem do 'razoável', tornando-se ele próprio uma caricatura (exagerada) de si mesmo.

Pra quem conhece o W.O., maior nome da propaganda brasileira de todos os tempos, escolhido como o mais representativo homem de propaganda dos últimos 50 anos na America Latina e entre os 25 maiores nomes da propaganda mundial dos últimos tempos, não se esquece que também se trata de um megalomaníaco de carteirinha.

Em sua coletiva, ele agradece às rádios paulistas, pela preocupação de várias destas rádios em dedicarem músicas para ele, apesar de no cativeiro (mais ou menos do tamanho do meu banheiro de empregada) não permitirem que ele ouvisse rádio e assim permanecesse atualizado !

Eta ego !!!

Assim como alguns seqüestrados passam a ver seus raptores como íntimos, outros reescrevem suas vidas a partir de tal experiência, seguindo o caminho da religiosidade exarcebada, (ou o ativismo), há quem transfira toda esta confusa carga de sentimentos desencontrados para uma saida quase alegórica !

Como no caso de W.O., cada pequeno acontecimento era motivo para ele explorar seu próprio ser, racional e ateu.
Delirios à parte, (justificáveis), W.O. aparece como um McGyver encarcerado, sempre por cima da situação, analisando possibilidades e criando estratagemas, não só com funções existenciais como as mais práticas.

Em determinado momento da coletiva, ele diz que após perceber que na casa não mais havia gente e que fora abandonado trancado ali, ele conta toda sua 'linha de pensamento', até achar as dobradiças da porta (no escuro), retirar o papel de parede que a cobria e experimentar abrir alguns parafusos com os restos de uma armação de óculos.

Seu maior medo era morrer sem ar, uma vez que o sistema de ventilação também havia sido desligado. Aí ele diz que forçou a porta com pancadas até conseguir uma fresta, o bastante para a passagem de ar. Neste instante, ele diz que devido ao calor, pensou em tirar a blusa, mas lembrou que a blusa iria conter suor, e que caso ele demorasse a escapar, ele 'quem sabe', poderia utilizá-lo....

Impressionante também sua descrição da luta que travava contra a tentativa dos seqüestradores de abatê-lo, dando-lhe livros como 'Pappillon' ou '1984' para ler e que ele soube evitar ao máximo.

Suas refeições eram a única possibilidade de manter um controle sobre o que era dia e o que era noite, uma vez que uma lâmpada ficava acesa permanentemente no teto. Nesta batalha os seqüestradores eram profissionais o bastante para após algumas
refeições, mudarem a sua ordem na tentativa de confundi-lo. W.O. diz que já neste instante ele estava consciente de que teria que ter outro método para manter-se a par do tempo passado, e conseqüentemente permanecer lúcido e são. Disse que a cada 4 dias eles lhe davam um balde de água para se lavar, e usando do sistema de contar 4 dias a cada balde e da ordem da refeição, pôde se certificar da artimanha utilizada por seus raptores, todos eles profissionais.

Não há realmente um aprendizado imediato do ocorrido.

Fácil perceber que independente de estado civil, religião, condição social ou erudicão que não é qualquer pessoa que iria elaborar um processo para não se deixar abater de todo.

Me recordo dos grupos de 7, riscados a giz, nas paredes das prisões e Bastilhas da vida.

Como W.O. diz ainda em seu estado alterado, ele se achava capaz de 'socar a morte'.

Se W.O. permanecia horas a fio lembrando todos os poemas de Cortazar, ou os quadros que conhecia de determinado artista (devido ao azul do copo que trazia o suco do café da manhã), o mesmo para a filha de Silvio Santos era lembrar os salmos, ou para Cristtiane
Leite (filha de um empresario de calçados), as novelas feitas por Regina Duarte.

Somos todos pálidos espectros de vontade, vivendo de nossa frágil memória.