98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

20.12.01

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da Folhaequilíbrio

Confiança no médico
Michael Kepp

Meu problema com médicos e terapeutas sempre foi encontrar um em quem eu pudesse confiar. Minha desconfiança nasceu há uns 15 anos, quando, estressado por problemas no casamento, comecei a fazer terapia com uma pessoa recomendada pela terapeuta da minha mulher. Um dia, por acaso, descobri que meu terapeuta era marido da terapeuta da minha mulher. Senti-me traído. Ele se recusava a admitir má conduta profissional. Ao mesmo tempo, oferecia ajuda terapêutica para eu me livrar desse sentimento que, segundo ele, só existia na minha cabeça.

Ressabiado demais para procurar outro terapeuta, mas consciente de que o estresse matrimonial deixava meus músculos tensos, aceitei a sugestão de um amigo e fui ver um terapeuta corporal. Ele sugeriu que começássemos praticando luta romana para que pudesse sentir a minha energia. Concordei com um pé atrás. Depois de rolarmos ferozmente pelo chão, vi que ficamos em um "69" constrangedor. Mais pesado, eu estava por cima. Frustrado por não conseguir se soltar, o terapeuta cravou os dentes na minha batata da perna. Foi tão doloroso que me levou a morder de volta no mesmo lugar. Decidi não voltar a saboreá-lo e sumi.

Uma década se passou, e eu me casei de novo. No ano passado, resolvi voltar à terapia, pois estava com um caso grave de insônia e achava que o problema era de natureza psicológica. Mas, ainda desconfiado de terapia, fui primeiro a uma clínica repleta de neurologistas especializados em perturbações do sono. Porque não havia dormido por três noites seguidas, adormeci na sala de espera da clínica e, segundo a recepcionista, chacoalhei as paredes com meus roncos. Talvez por isso, quando ela me acordou, todos me olhavam com um misto de inveja e raiva.

Ao entrar no consultório, dei de cara com um quadro a óleo que mostrava o rosto dos quatro Beatles em detalhes ovais, coroando outro detalhe oval com o retrato do médico. "Você é o quinto Beatle?"-perguntei. "Só eu acho", ele respondeu. Depois de ouvir sobre o meu sofrimento ao longo das noites em claro, o neurologista sugeriu que o problema pudesse ser causado por uma depressão profunda e receitou antidepressivos pesados, que agiam como soníferos. Ele também me mandou começar a fazer terapia com um amigo dele.

Deprimido apenas pela idéia de que seu amigo poderia ser o sexto Rolling Stone, resolvi procurar outra clínica de perturbação do sono. O novo especialista queria ligar eletrodos à minha cabeça e me colocar em uma sala envidraçada para passar a noite, a fim de monitorar minhas ondas cerebrais. Argumentei que a possibilidade de eu dormir como rato de laboratório era nula. Então, recomendou-me um psiquiatra, que me fez algumas perguntas, prescreveu um sonífero e me mandou voltar no prazo de um mês. Os soníferos me apagaram, mas me deixaram com uma tremenda ressaca. Quando eu liguei, ele me mandou seguir suas ordens e ponto final. Seu jeitão prussiano me levou a procurar um psiquiatra mais doce.

O baiano que por fim escolhi escutou pacientemente o meu problema e sugeriu que eu não trabalhasse nem visse tanta televisão à noite -e nunca na cama. Também receitou caminhadas diárias e pediu que eu tomasse um ansiolítico leve antes de me deitar. Por fim, aconselhou-me a começar a terapia com ele.

Alguns dias depois de aceitar seu conselho, comecei a dormir e a acordar sem ressaca. E, pouco a pouco, parei de tomar o ansiolítico. Um ano se passou, e eu ainda faço terapia com ele. Por quê? Porque ele me ajudou a reduzir minha ansiedade -a provável causa de minha insônia- e, acima de tudo, porque eu finalmente achei um profissional em quem posso confiar, tarefa que exige persistência.

MICHAEL KEPP é jornalista americano, radicado no Brasil há 19 anos; e-mail: mkepp@openlink.com.br