98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

4.6.03

acaba comigo, adriana falcão!

Novela
Adriana Falcão

Regina era a garota mais bonita do prédio.
Artur morava do outro lado da rua.
Ela tinha catorze.
Ele tinha dezesseis pra dezessete.
Ela chegava do colégio às 12h45.
Ele estava sempre na esquina, esperando.
Ela passava.
Ele piscava.
Ela fingia que não era com ela.
No rádio de um carro qualquer tocava uma música lenta (que inclusive foi remixada recentemente).
Um dia ele tomou coragem.
– Posso ser seu par na quadrilha?
– Eu não sei dançar.
Dançaram, apesar disso.
O namoro começou ali mesmo, naquela noite, com direito até a fogos de artifício.
(Mal sabia Artur que ela tinha sorteado o nome dele debaixo do travesseiro, adivinhação de Santo Antônio, onze dias antes.)
Como acontece em histórias como essa, os dois se apaixonaram, e tal e coisa.
Até as 10 e meia da noite, hora do toque de recolher, os carros da garagem do prédio de Regina foram testemunhas de ditos e fatos que escandalizariam a vizinhança.
Ainda bem que carros costumam guardar segredos.
Uma caixa de fotografias que existe até hoje é prova contundente de que aqueles foram anos muito felizes. (Haja riso, promessa e projeto quando se tem por volta de vinte anos.)
O laboratório do bairro assistiu a tudinho: o teste positivo na mão dele, o medo no olho dela.
Não foi nada fácil contar pra família, especialmente pra tia Mafalda, que morreu acreditando que tinha desaprendido de fazer conta.
Artur ficou engraçado de terno.
Regina sempre sonhou com uma igreja enfeitada de rosas e fitas.
Um menino e uma menina depois, eles eram quatro, e quatro é duas vezes mais difícil do que dois, até tia Mafalda saberia fazer conta tão simples.
O dicionário do casal, que mais parecia letra de música, foi obrigado a aprender palavras como orçamento, cobrança e cansaço.
Numa madrugada chuvosa, que surpresa, ela descobriu que ele não era perfeito.
Vida de casal é assim, cheia delas.
Acontece.
Além do mais, cada vez que Artur a chamava "minha rainha!", Regina perdia a capacidade de raciocínio, e, pensando bem, pra que pensar tanto?
Baseado na mesma lógica, talvez, ele também resolveu deixar pra lá quando ela andou meio estranha um certo tempo.
Ainda bem que tudo passa.
As tempestades se acalmaram, os vulcões foram se extinguindo, os meninos cresceram.
Vieram os netos.
Cabelos brancos.
Aposentadoria, transformações, calmaria.
Mas um sentimento, inexplicável, continuou intacto até hoje, ligando um ao outro.
Chamar isso de amor seria simples demais e exageradamente romântico.

(Sinto informar que essa história é inverídica. Artur e Regina se separaram alguns anos atrás. Ele está de namorada nova. Ela aprendeu a dançar e dança muito, toda sexta.)