98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

21.10.05

EU DIGO SIM!

A Morte do Leiteiro
Carlos Drummond de Andrade
(a Cyro Novaes)

Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.

Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro,
morados na Rua Namur,
empregado no entreposto,
com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma apenas mercadoria.

E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro...
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.

Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.

Mas este acordou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.

Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.

Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.


Fonte: Antologia Poética

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Telinha,

Infelizmente, estamos em um país onde as leis não vigoram de verdade, onde a polícia é mais desonesta que os bandidos! Claro que sou contra as armas, mas sou descrente no país e estudos mostram que a violência pode piorar! Se pudessemos confiar nessa nação, que não tem nem governantes conmfiáveis eu votaria SIM...Infelizmente Não posso!

12:32 PM

 
Blogger stella said...

jpereira,

eu reconheço a ineficiência da polícia. eu reconheço todos os defeitos deste país. não vou votar sim porque sou alienada - vou votar para não ter as mãos sujas do sangue dos inocentes que morrem com balas perdidas, com disparos acidentais, por brigas de torcida ou brigas no trânsito.

se uma única vida for salva pela campanha do Sim, tudo terá valido a pena.

pode ser a minha vida, pode ser a sua, pode ser de um desconhecido. mas uma pessoa terá sido salva de morrer à-toa.

7:15 PM

 
Anonymous Anônimo said...

é, eu votei no sim tb. e curioso como também pensei no que o schindler disse sobre a lista dele.

8:41 AM

 
Anonymous Anônimo said...

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