98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

18.3.03

tinha que se chamar stella, a danada!

POR QUE OS CASADOS ENGORDAM?

Stella Florence



Meu caso de amor e ódio com a comida vem de longa data, meus questionamentos quanto a essa fixação também, tanto que, transportados para a literatura ficcional, já renderam um livro, o Hoje Acordei Gorda. Há uma lasca desse tema, contudo, que eu não transformei (ainda) em história, mas que tem me vindo à cabeça repetidas vezes: “Por que, ora bolas, os casados engordam?”.

Que uma parte significativa dos casais ganha peso depois do casamento ou de um compromisso mais firme é fato comprovado pela estatística, o que me intriga é o porquê dessa experiência ser tão comum.

Eu e o Eduardo também engordamos ao nos casar: eu, por estar grávida, engordei parcos oito quilos e ele, por uma somatória de situações estressantes (casamento, paternidade, mudança de casa, etc), dobrou essa quota.

Como gravidez não vale (a não ser para quem a usa como desculpa a fim de se entorpecer com comida), vou voltar mais no tempo: quando ficamos noivos, eu engordei dez quilos, assim, aparentemente, do nada. E não só engordei: passei máquina três na cabeça. Acontece que não sou bonita como a Fernanda Young e essa ausência quase absoluta de cabelos me deixou – como direi sem ferir meu amor próprio? – horrorosa. É, medonha mesmo, pior que espantalho de vodu. Um rostinho minúsculo em cima (eu engordo pouco no rosto) e uma bunda de proporções titânicas embaixo. Eu parecia o reflexo de um desses espelhos deformados do Playcenter.

Dessa forma, a questão “por que os casados (ou aqueles que se sentem assim) engordam?” passou a me interessar muitíssimo. A Revista da Folha, há algum tempo, levantou as possíveis razões para a engorda, senão dos dois parceiros, ao menos de um, após o casamento:

- a mulher adere à forma de comer do homem ou vice-versa e essa contaminação se dá pelos hábitos alimentares mais fáceis e calóricos: tudo que venha pronto em embalagens descartáveis é facilmente assimilado.

- quando solteiros ambos viviam sob o controle das mães na cozinha, comendo brócolis e mamão no lugar das guloseimas desejadas. Uma vez longe de tal controle, os casados são como crianças libertas, ainda irresponsáveis, loucas para comer sorvete e batata frita o dia inteiro.

- a vida de casado é mais sedentária: não há a necessidade de sair para encontrar o parceiro nem de ir a um motel para transar (e, portanto, se atritar exaustivamente e tomar duchas e saunas para aproveitar o dinheiro gasto), os amigos são convidados a conhecer e freqüentar o novo lar fazendo com que o casal abdique lentamente das baladas sacolejantes e por aí vai.

Escarafunchando o meu processo de engorda e mutilação capilar, porém, encontrei outra resposta: os casados sentem a obrigatoriedade de ser fiel com todo o seu peso e talvez não se percebam fortes o bastante para resistir às tentações do mundo, dessa forma, inconscientemente, se retiram do mercado sexual, se escondem dos olhares repletos de luxúria, usando a melhor e mais eficiente carapaça: a gordura.

Há que esclarecer: eu sempre convivi com ela, não me tornei por isso um ser assexuado (não é a gordura que nos deixa assexuados, é a nossa reação a sua presença), mas tenho de admitir que meus melhores períodos libidinosos sempre foram e continuam sendo abaixo dos oitenta quilos. Dou esse número como um exemplo apenas: cada um sabe onde, na balança, seu calo e seu cinto apertam. Não é necessário, para se sentir retirado do mundo, engordar demais, apenas alguns quilos podem servir para que não nos sintamos bem nem atraentes.

No meu caso, essa última resposta fez mais sentido do que todas as outras. Eu me mutilei esteticamente por medo, pavor, paúra de não conseguir ser fiel ao Eduardo. E esse pavor encontrou a perfeita expressão num vício que me acompanha desde a mais tenra idade: a gula. Como todos os vícios, não posso dizer que estou curada, não garanto que amanhã vocês não me encontrarão na porta da “Amor aos pedaços” comendo três bolos de uma vez, nem garanto que o medo de trair meu marido não me faça cair de novo no macio abismo da comida. A questão é: o que eu prefiro? Trair ou engordar? Podem me chamar de trouxa, neurótica ou travada, mas, racionalmente, eu prefiro engordar. Por quê? Porque emagrecer uma consciência pesada é mais difícil. Muito mais.



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