stella florence escreveu um livro que precisa ser lido por todo mundo. devia ser obrigatório nas escolas, lá pelo primeiro, segundo ano científico. devia ser lido para os meninos, devia ser lido pelas meninas. por você e por mim, por teu pai, tua mãe. por aquele seu namorado que era meio grosso. por aquele amigo gente fina. pela sua melhor amiga, por aquela que você sempre achou inteligente, para fazer funcionar os neurônios das burrinhas.
leia.
ele me trocou por uma porca chauvinista
leia hoje, leia amanhã, releia durante o carnaval. beba um copo d´água, tome uma bebida forte, os temas não são simples e ela não faz uma abordagem superficial. o que é uma mulher machista? eu li, eu me reconheci em algumas atitudes e que medo que me deu. e a fã que grita no show, por acaso não sou eu, adolescente? e eu não vi minha mãe naquela mulher que faz tudo pelos filhos? e tem a mãe que olha os filhos dormindo e pensa naquele que não nasceu. são temas fortes e imprescindíveis. você, menina, que se acha moderna pq trabalha e fez faculdade e tem seus casinhos, será que é mesmo? você, que tem sua casa e é dona do seu nariz? e você que mora com papai e mamãe, que fazem vista grossa à sua vida sexual, já que a deles, você nem quer saber, já foi pro beleléu há décadas e é um assunto indigesto para ser conversado? e você, que tem pais legais e conversa sobre sexo, drogas e roquenrou? leia se é homem, mulher, gay ou marciano.
eu li e ainda estou sob o impacto. e é tristíssimo admitir que a minha criação para ser boa menina me influencia muito ainda hoje. mas um dia eu vou deixar de ser uma boa menina. e irei a todas as partes do mundo.
para ler mais de Stella Florence: crônicas de um casamento, site dela e do marido, o escritor Eduardo Haak.
um tebêi no meu pé de ouvido, esse texto. que eu preciso urgente pôr em prática:
SENTIR PRAZER SOZINHA
Stella Florence
No início do nosso namoro Eduardo nunca deixou de me acompanhar a qualquer passeio. E eu sou do tipo que topo qualquer coisa – menos camping e churrasco. Não chego a ser uma baladeira profissional, mas me agrada ir ao cinema, ao teatro, a um show. Naqueles primeiros meses de namoro, meses idílicos, meses encantados, até nos programas de índio batíamos ponto, juntos.
“Vamos ao cinema ver um desenho dublado sobre a saga de Moisés?”
“Vamos ver aquela peça pré-modernista diletante enquanto prosódia da parafuseta?”
“Vamos numa quermesse beneficente na rua de baixo?”
A resposta era sempre, sim, sim, sim, querida.
Quando o namoro se firmou, contudo, Eduardo se tornou a criatura mais exigente do planeta: cinema tinha de ser um filme, no mínimo, do nível de “O Poderoso Chefão”; show nem pensar algo menos que Paul McCartney; teatro só se fosse um texto primoroso, numa montagem primorosa, com atores primorosos, de preferência perto de casa e com ingresso barato; festa, então, nenhuma.
E eu, por delicadeza, por submissão, por estupidez, sei lá, fui ficando cada vez mais em casa, dispensando programas, comendo chocolates, até brigando com alguns amigos (sorry, pessoal). Depois da gravidez, eu tinha motivos inquestionáveis para não sair: estou com enjôo, estou com tontura, minha pressão está baixa, meus nervos estão por demais sensíveis, não posso, não consigo, não quero, obrigada. Nasce Olívia e aí, sim, o “Grande Motivo” para me manter em casa surge: grana curta e um serzinho que não se vira com um vídeo e um pacote de pipocas.
Até que esse ano, eu, pela centésima vez, perguntei:
“Eduardo, vamos ver o filme novo do Almodóvar?”
“Espetáculo da Elisa Lucinda, não dá para perder, vamos?”
“Show da Zélia Duncan, por favor, vamos?”
As respostas: não, não e não. E minha reação: fui, fui e fui. Sozinha.
O que me surpreende é eu ter demorado anos para tomar uma atitude aparentemente tão simples quanto me desvincular do meu companheiro, passar a fazer as coisas que me dão prazer sem ele e – ó, pecado mortal – continuar a ter prazer. Talvez essa fosse a grande questão que me impedia de sair só (já que Eduardo, é claro, nunca me impediu): ter prazer sem ele.
Depois de estar vinculada a alguém, seja namoro, casamento ou até, em certos casos mais obsessivos, apenas amizade, a gente parece que só está autorizada a sentir prazer se for em companhia do outro e, nesses casos, o outro passa a ser, também, nosso algoz.
Solução: soltar as algemas, exorcizar o pelourinho, botar seu melhor batom e ir sozinha fazer o que lhe agrada. Sem indiretas, revanchismos ou comentários do tipo: “Se eu conhecer alguém interessante, a culpa é sua, não adianta ficar chorando depois”.
Resolvidos. Concluídos. Satisfeitos. Quase toda sexta você pode me encontrar na porta do Lumière. Sozinha. E o Eduardo você encontra pelos cafés da cidade. Apenas escrevendo – e talvez paquerando.
A única questão que poderia permanecer um mistério é: por que Eduardo mudou? Por que assistia a qualquer filme comigo, dos bons às porcarias completas, e não se importava? Por que agora a minha presença não é potente o bastante para suprir a canastrice dos atores na tela? Ora, porque a paixão nos deixa assim, meio patetas; porque queremos, nos primeiros encontros, mostrar só o melhor de nós mesmos e varremos nosso senso crítico, nossas idiossincrasias, para debaixo do tapete; e, sobretudo, porque nós mudamos. Ao nos unir a alguém, não podemos esperar que, com o passar do tempo, dos problemas, das experiências, esse alguém permaneça o mesmo. Seria até mesmo um indício de esquizofrenia a pessoa não mudar, nunca. O único problema, é que uns mudam para melhor, e outros...
Não, isso não foi uma espetada no Eduardo. Ele mudou para melhor, em muitas coisas. Mesmo que não seja o meu melhor, é o melhor dele. E isso é o que importa: nós compreendermos o que é melhor para o outro, sem deixar de fazer o que é melhor para nós.
P.S.: Não perca: o filme “Fale com ela” de Pedro Almodóvar, o show “Sortimento” de Zélia Duncan e o espetáculo “Parem de falar mal da rotina” com Elisa Lucinda. Vale muito a pena. Sozinho ou acompanhado.
P.S.2: Querido M., se fosse hoje, eu iria correndo ver a palestra do Jostein Gaarder com você. Me perdoa?
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