Procurando a dor
Danuza Leão
Outro dia, na ginástica, ao começar uma nova série com halteres pesadíssimos (para mim, pelo menos), minha coluna deu um grito -ou teria dado, se coluna falasse. O lugar é sensível e muito meu conhecido: nunca me esqueci do dia em que um amigo, ao me abraçar afetuosamente, pressionou com tal força o ponto crucial -para mostrar seu carinho-, que passei seis meses fugindo dele.
Voltando à aula: disse a meu professor que não podia continuar, que aquele movimento não ia dar e partimos para outro; no fim da aula ele fez as recomendações de praxe, explicou que a dor é sempre um aviso e que quando ela surge é preciso ficar atenta, para que não volte. E mais: que quando eu chegasse em casa não procurasse a dor.
Como assim, procurar a dor? E alguém procura a dor? Ele explicou que o corpo tem tendência a se testar e procurar a dor, sim, para ter certeza de que ela está lá -ou de que não está mais. Nunca te aconteceu de estar com uma dorzinha (pequena) e provocá-la? Ou vai me dizer que você nunca passou a língua numa afta?
Curioso esse nosso corpo; comecei a pensar nos sentimentos e como nos comportamos em relação a eles. Sobretudo a comparar os males do corpo com os da alma, ou falando mais claramente, com os do coração.
É verdade; quantas vezes a gente procura a dor sem perceber, e quando encontra não imagina que a tendência dela é sempre aumentar. Se soubéssemos viver -e poucos sabem-, o primeiro sinal de dor emocional deveria soar como um alarme, e deveríamos cuidar para que ele não se repetisse. Só que muita gente faz exatamente o contrário.
Quando seu namorado te fez sofrer pela primeira vez -nada de muito grave, ele apenas sumiu por dois dias ou olhou de maneira pouco convencional para sua irmã-, em lugar de voltar para os braços do outro que é gentil, delicado, telefona na hora combinada e te trata como uma deusa, o que você fez? Se apaixonou, e pior: quanto mais ele aprontava mais a paixão aumentava. A cabeça e os sentimentos são bem parecidos com o corpo e costumam procurar uma complicação que vai -pode- nos levar a dores futuras. Qual a graça de uma existência com pessoas que só dizem coisas agradáveis e gentis, namorados que nos fazem felizes o tempo todo? Para muita gente, a graça é viver perigosamente, no limite.
Quem não cultiva um amigo bem maldito, que diz maldades vis mas sempre divertidas sobre nossos mais caros amigos? Quem nunca se apaixonou por um homem que nos fez passar por momentos atrozes, sempre em sobressalto, com o coração na boca, sofrendo mas morrendo de medo de que ele fosse embora?
É elementar saber que esse amigo tão divertido vai, assim que você virar as costas, fazer comentários maldosos -e sempre divertidos- sobre você, que quando souber não vai achar a menor graça. E que seu namorado, que faz com que você viva no fio da navalha -isso é que é vida, você acha- vai aprontar cada vez mais, muito mais do que você jamais sonhou, até te deixar arrasada -e sozinha. Quando se fazem escolhas erradas se está procurando a dor, e esta é uma procura inútil; supérflua, eu diria.
Não é preciso procurar por ela porque mesmo tentando viver da maneira mais certa ela nos encontra na hora em que quer e bem entende.
E com a maior facilidade.
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