eu tinha que copiar aqui!
O dia em que fui Julia Roberts
[por Carolina Chagas]
Marx que me perdoe: água a 36oC pode afogar anos de ideologia esquerdista. Décadas de educação experimental e culto a palavras como desigualdade e justiça social foram amortecidas em algumas horas de molho numa banheira coberta de pétalas de rosas misturadas a óleos de ylang ylang, cardamomo, grapefruit e muita água.
Minha missão para essa coluna era conhecer um dos vários spas urbanos de São Paulo, experimentando uma sessão de banho de especiarias, seguida de massagem e máscara facial.
É mordomia suficiente para qualquer mulher entrar no clima de Scarlet O'Hara muito antes da ruína: música de relaxamento (que repete os sons da natureza com um instrumento de corda qualquer ao fundo), ambiente em cores pastéis e mulheres lindas e gentis, que falam baixo e te recebem como uma tia do interior depois de alguns anos de ausência.
Enquanto esperava que meu banho fosse preparado, fui levada a uma sala com largos e confortáveis divãs de tecido rústico branco. Tudo tão sedoso e purificado que era difícil saber o que fazer com as mãos, onde colocar a bolsa ou apoiar minhas botas cheias dos sinais e da energia negativa da rua.
Cinco minutos depois, estava na sala de banho: banheira branca de louça daquelas de revista de decoração, penteadeira com escovas, pentes e centenas de lavandas e óleos coloridos maravilhosos, um boxe com chuveiro do tipo superducha muito comum em saunas, luz regulável e só.
Hora de tirar a roupa e vestir um roupão de algodão macio, com cheiro de recém-saído da máquina de lavar, sobre um conjunto amarelo de calcinha e sutiã feitos com forro de biquíni. Fui convidada a entrar na banheira coberta de pétalas de rosa.
É a hora em que as defesas caem. A temperatura da água dá uma providencial reduzida na pressão do corpo, o suficiente para perder qualquer pudor e me sentir a Julia Roberts dentro da banheira do Richard Gere, depois de sua primeira noite de amor em "Uma Linda Mulher".
Quando as mãos macias de uma moça bem-cuidada esfregaram as minhas costas com um óleo esfoliante de oliva, eu já estava naquele estado agradável que se consegue com a segunda tacinha de vinho (e não havia tomado vinho nenhum, ainda). Juro que dava até para ouvir a trilha sonora usada naquelas passagens em que as divas de comédias românticas se embelezam para "o" encontro de sua vida ou a grande virada da plebéia a princesa.
A moça sai e volta em seguida, com duas jarrinhas de barro, daquelas do tempo de Cleópatra, que se vê em museus, uma taça de vinho branco geladinho e um prato com morangos frescos partidos ao meio.
Uma das jarras, com óleo levemente morno, foi despejada nas minhas costas, seguida da outra, com mel diluído em óleos e água. Fui então abandonada ao meu desfrute, quase no escuro, ao lado de uma taça de vinho e um prato de morangos. Deixei a taça pela metade, como fariam as princesas, mas, como plebéia, comi os morangos todos.
Vários minutos depois, a moça entra na sala, monta uma cama na minha frente e me convida a sair da banheira e tomar uma ducha, para tirar o excesso de óleo do corpo. Voltei aos braços do roupão macio e, antes que eu tivesse tempo de pensar, a moça estava de volta e me convidava a deitar de costas na cama.
A massagem competente me fez derreter de vez, antes que uma massa fina de argila branca fosse espalhada pelo meu rosto. Devo ter ficado de assustar (ainda bem que não dava para ver), mas a sensação de sentir sua pele sendo "pintada" por um pincel largo é sensacional.
Meus braços e mãos foram massageados com uma das grandes maravilhas cosméticas, a cheirosa manteiga de karitê. A máscara foi retirada do meu rosto com um algodão embebido em água, e eu fui convidada a voltar, lentamente, para o mundo das reles mortais.
A soma paga pelos cuidados te ajuda a fixar os pés na terra firme, mas o efeito da água a 36oC ainda dura umas horinhas depois de sair dali. Por isso, explore o resultado: faça o tratamento no final do dia (ou em um dia de agenda totalmente livre) e siga para uma noite romântica. Seu parceiro, de repente, vai se parecer muito com o Richard Gere.
revista da folha, hoje
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