98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

20.2.02

deu no níu iorque taimes

Na hora das refeições, brasileiros em Nova York optam pelo feijão com arroz
Elaine Louie

Nova York, EUA -- Onde é que os quase 12 mil brasileiros que moram em Nova York normalmente comem? Ao que parece, não é nos poucos restaurantes brasileiros da cidade.

No Emporium Brasil, na West 46th Street, 80% dos fregueses são norte-americanos, afirma Regina Silva, uma das proprietárias. O mesmo ocorre na Churrascaria Plataforma, na West 49th Street, freqüentada com assiduidade por uma grande clientela norte-americana, diz João de Matos, um dos donos.

Enquanto que várias culturas, como a chinesa e a francesa, exibem os seus pratos mais extraordinários nos restaurantes, os brasileiros fazem os seus mais autênticos e mais temperados guisados nos seus lares.

"Os brasileiros não se interessam por comer em restaurantes brasileiros", afirma Cherie Y. Hamilton, um norte-americano que mora no Brasil e que escreveu o livro "Cuisines of Portuguese Encounters".

"Brasileiros da classe alta vão a restaurantes italianos, franceses ou chineses, mas não aos especializados em comida de seu país", diz Jorge Pontual, um jornalista da Rede Globo em Nova York.

Em Nova York, a tradição de cozinhar em casa é perpetuada por pessoas como Lia Gomes, 48, uma dona de casa de Manhattan que chegou aqui há 28 anos, vinda do Recife. Gomes cozinha desde os 14 anos, quando a mãe insistia que ela cozinhasse antes de sair para a praia. Certa vez, ela propositalmente colocou sal em excesso na comida, na esperança de que a mãe chegasse à conclusão de que a filha fosse uma má cozinheira, e nunca mais a fizesse cozinhar.

"Minha mãe disse, 'Faça a comida toda de novo'", conta Gomes. "Desde aquele dia, quando cozinho, coloco o meu coração nessa atividade".

Uma das suas especialidades é um saboroso prato feito com filé de peixe. Ela coloca suco de limão fresco e sal nos filés, fritando-os até que fiquem dourados, e depois cozendo-os por cerca de dez minutos em um molho espesso composto de tomate, cebola, alho, pimentões vermelhos e verdes, coentro, molho de tomate e leite de côco.

As suas mãos são ágeis. Ela bate carinhosamente nos filés, como se estivesse acalentando um bebê. Quando corta os tomates, ela retira simultaneamente as sementes, com um movimento rápido do dedo polegar.

A cozinha brasileira é uma mistura de influências portuguesa -- como o tomate, o arroz, e o bacalhau seco e salgado -- e africana, de onde veio o feijão preto, o azeite de dendê e o quiabo. Ingredientes indígenas, italianos e franceses também compõe culinária do Brasil. A comida não é extremamente apimentada, mas todo cozinheiro brasileiro possui um vidro de molho de pimenta, feito de pequenas pimentas malaguetas, verdes ou vermelhas, mergulhadas em azeite de oliva. O vinagre e a cachaça, uma bebida destilada da cana de açúcar, às vezes também são utilizados.

Alguns cozinheiros colocam o molho de pimenta em todos os pratos, fazendo com que o ato de comer até mesmo pratos simples, como ovos mexidos, se torne um desafio para a língua. Os brasileiros preservam o molho de pimenta por anos, repondo sempre que necessário o azeite de oliva, assim como os padeiros utilizam as "iscas" originais de fermento para os seus pães.

Na casa de Pontual, em Upper East Side, a tarefa de cozinhar se tornou um trabalho de equipe para ele e a mulher. Ângela Pontual, que se lembra de quando ajudava os avós a fazer lingüiça na fazenda da família, em Goiás, era a única encarregada de cozinhar para a família até três anos atrás, quando se tornou repórter e editora de notícias brasileiras da Bloomberg Television. A longa jornada de trabalho fez com que ela ficasse muito cansada para cozinhar, de forma que se tornou uma "cozinheira relâmpago".

Ela faz um prato que normalmente levaria o dia todo para ser preparado - deixando feijão preto de molho durante toda a noite, e a seguir cozinhando-o com folhas de louro e lingüiça por duas horas - em apenas 30 minutos. Ou melhor, trata-se de uma versão do prato original.

O segredo está em uma lata de sopa de feijão preto Goya. Pontual corta bacon, lingüiça e alho e refoga os ingredientes. "Refogue os ingredientes até o cheiro ficar bem gostoso", ensina ela, despejando a sopa e um pouco de água sobre os temperos. Ela serve o feijão acompanhado de bifes de filé mignon e arroz, preparado no estilo brasileiro: o alho é refogado em óleo, e a seguir o arroz é adicionado e mexido durante cinco minutos, antes de se acrescentar água e sal.

Ela também ensinou o marido a cozinhar. "Eu passei a cozinhar quando a Ângela parou", conta Pontual. "Tradicionalmente, os homens não cozinham. Mas agora o ato de cozinhar se tornou fascinante para eles. Conhecer e exibir pratos complicados é considerado algo de chique".

Toda semana, Pontual, que não cozinha devido ao glamour, mas para dividir o trabalho com a mulher, faz um dos seus seis pratos favoritos, entre eles galinha com quiabo, carne de porco e moqueca de siri-mole.

É claro que cozinhar é um ato comunitário. Michele Scheinkman, uma terapeuta familiar de Manhattan, nascida no Rio de Janeiro, se viu sozinha em uma noite recente. Seu marido, José, professor de economia em Princeton, estava dando aulas em Paris. O seu único filho, Andrei, estava na faculdade. Assim, ela convidou alguns amigos e preparou um clássico prato luso-brasileiro: a bacalhoada.

Michele Scheinkman despejou um pouco de azeite de oliva em uma panela, e foi colocando dentro dela fatias de cebola, batata, bacalhau que ficou de molho durante a noite, tomate, alho socado, cebolinha, salsa e azeitonas pretas sem caroço. Após cozinhar o bacalhau por 25 minutos, aquilo que tinha a aparência de um prato seco e colorido, se transformou em um guisado borbulhante. O tomate e a cebola liberaram os seus sumos, que se misturaram formando um molho de um dourado pálido, salpicado com pedacinhos de salsa. Na alquimia culinária, as batatas e o peixe ficaram perfeitos, igualmente tenros. O prato preenchia todos os requisitos da cozinha caseira brasileira - espirituoso, forte e saboroso.

"Quando o meu marido me ligar amanhã, vou dizer que estou com saudades", diz Scheinkman. "Mas enquanto eu puder desfrutar de uma comida gostosa com bons amigos, não estarei sozinha".

Tradução: Danilo Fonseca