Luis Fernando Veríssimo
A intenção
Pensei numa ilha, uma ilha inteira, com casa e ancoradouro ou, se você preferisse, heliporto. Mas você se sentiria obrigada a ir e ir sempre, pois ter uma ilha não é como ter, assim, um castelo no Loire ou um apartamento em Miami, que você pode ir ou não ir, tanto faz. Uma ilha inteira é um compromisso, é quase uma obrigação de ir sempre, eu só estaria lhe dando remorso. Um remorso magnífico, com pavões e águas verdes, talvez um pequeno vulcão, mas um remorso assim mesmo.
Pensei num cruzeiro marítimo, a volta ao mundo num transatlântico só seu, dezessete restaurantes, quatro orquestras, dez piscinas e quinhentos marinheiros só seus, mas aí pensei: viajar, com o mundo deste jeito? Descartei o transatlântico e nem pensei num Concorde privê, porque o Concorde — você concorda? — sei não. Dizem que, além de explodir, ele não tem lugar para as pernas!
Pensei num Rolls Royce blindado, com bar e pianista, daqueles que o motorista tem motorista, ou então num Mercedão prateado, forro de pele de lhama hermafrodita, alojamento separado para a criadagem, sauna opcional, mas aí pensei: carros, com esse trânsito? Eu só estaria lhe dando chiliques.
Pensei num conjunto de diamantes, mas... Jóias? Pinturas? Antiguidades? A coleção completa de um costureiro famoso e o costureiro junto, para fazer os ajustes? Muito óbvio.
Um casaco de pele? Muito incorreto. Eu não gostaria de ver você perseguida na rua por defensores, ou parentes, do animal sacrificado.
Um perfume caríssimo? Um “Ravage moi”, um “Penetration”, um “Sacanage en general”? Muito evanescente.
Pensei em lhe dar um chapéu, uma bolsa, um lenço, um guarda-chuva, uma caneta, mas... Toma. É um bloco de notas. Feliz Natal.
Você merece muito mais, claro. Mas é como dizem: o que vale é a intenção.
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