Lygia Fagundes Telles - As meninas
Se eu escrevesse, começaria uma história com esse nome: O Homem do Pêssego. Assisti de uma esquina enquanto tomava um copo de leite: um homem completamente banal com um pêssego na mão. Fiquei olhando o pêssego maduro que ele rodava e apalpava entre os dedos, fechando um pouco os olhos como se quisesse decorar-lhe o contorno. Tinha traços duros e a barba por fazer acentuava seus vincos como riscos de carvão mas toda a dureza se diluía quando cheirava o pêssego. Fiquei fascinada. Alisou a penugem da casca com os lábios e com os lábios ainda foi percorrendo toda sua superfície como fizera com as pontas dos dedos. As narinas dilatadas, os olhos estrábicos. Eu queria que tudo acabasse de uma vez, mas ele não parecia ter nenhuma pressa: com raiva quase, esfregou o pêssego no queixo enquanto, com a ponta da língua, rodando-o nos dedos, procurou o bico. Achou? Eu estava encarapitada no balcão do café mas via como num telescópio: achou o bico rosado e começou a acariciá-lo com a ponta da língua num movimento circular, intenso. Pude ver que a ponta da língua era do mesmo rosado do bico do pêssego, pude ver que passou a lambê-lo com uma expressão que já era sofrimento. Quando abriu o bocão e deu o bote, que fez espirrar longe o sumo, quase engasguei com meu leite. Ainda me contraio inteira quando lembro, oh, Lorena Vaz Leme, não tem vergonha?
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