98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

10.9.03

para gil

trecho de Paula, autobiografia de Isabel Allende, onde ela conta que já escreveu romances tipo "Júlia" e "Bianca"


Nos momentos livres, traduzia romances água-com-açúcar do inglês para o espanhol. Eram histórias românticas, carregadas de erotismo, todas elas feitas pelo mesmo molde: formosa e inocente jovem sem fortuna conhece homem maduro, forte, poderoso, viril, desiludido do amor e solitário, num lugar exótico, por exemplo, uma ilha polinésia, onde ela trabalha como preceptora e ele possui um latifúndio. Ela sempre é virgem, apesar de viúva, e tem seios mórbidos, lábios túrgidos e olhos lânguidos, enquanto ele ostenta têmporas prateadas, pele dourada e músculos de aço. O latifundiário será superior a ela em tudo, mas a preceptora é boa e bonita. Depois de sessenta páginas de paixão ardente, ciúmes e intrigas incompreensíveis, os dois se casam, é óbvio, e a donzela proparoxítona acaba sendo deflorada pelo varão metálico numa atrevida cena final. Era preciso ter força de caráter para permanecer fiel à versão original, e a minha firmeza não dava para tanto. Quase sem perceber, eu introduzia pequenas modificações para melhorar a imagem da heroína, começava por algumas mudanças nos diálogos, para que ela não parecesse completamente retardada, e logo me deixava levar pela inspiração e alternava os desenlaces, de modo que, às vezes, a virgem terminava seus dias vendendo armas no Congo e o abastado cidadão partia para Calcutá, onde iria cuidar dos leprosos.