caderno equilíbrio - folha de são paulo
Bronca por ser americano
Com os Estados Unidos à beira de uma guerra imoral, que vai criar o caos na economia mundial, os brasileiros começaram a me dar bronca por ser americano. Não importa mais que eu tenha vivido aqui pelos últimos 20 anos, tenha uma família brasileira e, para muitos, já me tenha abrasileirado.
Agora que minha pátria está prestes a desfechar um ataque catastrófico e não provocado sobre o Iraque, os mesmos brasileiros me rebaixaram ao posto de "ianque".
De uns tempos para cá, alguns brasileiros, ao ouvir meu pesado sotaque, perguntam-me de onde eu sou e, ao saber minha nacionalidade, tornam-me a válvula de escape de seus sentimentos antiamericanos. "Que belo presidente o seu, aquele tal de Bush. Votou naquele babaca?", um taxista me perguntou recentemente.
O dono de uma papelaria queria saber: "O que faz vocês acharem que têm o direito de mudar qualquer regime que quiserem?".
Outros americanos que conheço aqui já sentiram na pele desabafos similares. Pelo fato de já estarmos sendo estereotipados, se a guerra estourar, tenho medo de que sejamos tratados um pouco como os muçulmanos que os americanos apedrejaram depois de 11 de setembro.
Esse preconceito se baseia na noção errônea do que seja um americano. Para demolir essa noção, deixe-me dizer que sou favorável a uma mudança de regime -nos Estados Unidos, movida a voto popular, claro. Esse sentimento antiamericano, compartilhado por outros americanos no Brasil, é fruto de décadas vividas em um país sufocado pela prepotência americana -seja na área cultural, na econômica ou na política.
Mas não gosto de me sentir forçado a expor esse ponto de vista para acalmar o crescente coro de brasileiros que vêem minha pátria como uma nação sinistra. A última vez que passei por esse tipo de provocação foi quando alguns brasileiros revelaram o que sentiam sobre o atentado de 11 de setembro, dizendo "bem feito" e esperando minha reação. Apesar de entender o desabafo deles, eu me recuso a alegrar-me com o assassinato em massa de civis americanos. Por isso fiquei de boca fechada.
Apesar de os brasileiros estarem, mais uma vez, me provocando a abri-la, não tenho sofrido a mesma pressão de amigos. Eles não me classificam como americano típico, mas como uma estranha espécie híbrida -"americanus brasiliensis". Ainda assim, vieram me pedir que explicasse por que a maioria dos americanos -66% deles, segundo a última pesquisa de opinião do "Washington Post"- apóiam uma guerra tão insana que provocará uma nova onda de ataques terroristas.
Eu lhes digo que os americanos são um povo ingênuo e geopoliticamente mal informado, que acredita que seu estilo de vida seja a inveja do resto do mundo. Também é um povo cujo pragmatismo, desde o 11 de setembro, chegou a um grau de neurose que o leva a tomar medidas de precaução desnecessárias -até mesmo contra inimigos externos que seu governo inventa.
Não surpreende essa guerra "preventiva" parecer interessante para eles. Não surpreende engolirem tão facilmente o papo do seu governo, que diz que as armas de destruição em massa do Iraque seriam uma ameaça à segurança nacional, apesar de a maior probabilidade ser de o Iraque usar essas armas contra os soldados americanos que o atacarem.
O americano em mim agora, talvez desnecessariamente, prepara sua defesa contra aqueles brasileiros que podem, se e quando a guerra começar, apedrejar verbalmente a mim e a outros aqui só por causa de nossa nacionalidade. Mas eu não estou apenas criando estratégias para dizer que compartilho de sua raiva. Também rezo por um milagre. Rezo para que não haja guerra, para que ninguém morra inutilmente e para que eu não tenha de sentir vergonha de ser americano.
MICHAEL KEPP, jornalista americano, está radicado no Brasil há 20 anos
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