Olha essa, Gil!
Tios e tias são boas opções na hora do "sufoco"
Vocês conhecem um ditado popular que diz que, para quem Deus não deu filhos, o Diabo deu alunos, sobrinhos ou samambaias?
Pois é, mas, para os sobrinhos, os tios -ou tias, na maioria das vezes- podem ter o valor de um presente vindo dos céus, principalmente para os adolescentes que estão na fase de conflito aberto com os pais.
Uma leitora -que não é mãe, mas é tia- escreveu contando uma experiência muito interessante que teve com a sobrinha de 16 anos que passou um período com ela nessas férias. Segundo os pais, a filha é uma adolescente agressiva, repleta de problemas, que se deprime com facilidade, cheia de vícios e totalmente desregrada, com distúrbios alimentares e com quem é impossível a comunicação -um verdadeiro bicho do mato, enfim. Para a tia, a adolescente é uma garota doce, sensata e até recatada no contato com os garotos e com os homens, que gosta do silêncio, mas que aceita, de bom grado, uma conversa de vez em quando, que gosta de ter a privacidade respeitada, que nem deu muito trabalho para atender às regras que existiam na casa da tia e que mostrou ter autonomia de vida.
Mas que coisa, não? Parece que eles falam de duas pessoas totalmente diferentes. Mas o que ajuda a determinar essas visões tão diferentes é justamente o ponto de vista de quem olha. Para os pais, os filhos são sempre vistos pela ótica do desejo, das frustrações e dos anseios deles mesmos. E, no meio de tanto barulho, fica difícil conseguir enxergar o filho como ele é, com suas dificuldades e seu jeito próprio de encontrar saídas e soluções. Já, para as tias e os tios, que têm com os sobrinhos uma relação afetiva intensa, mas sem o peso que tem a relação deles com os pais, é bem mais fácil aceitar as diferenças e os defeitos dos sobrinhos e ajudá-los no que for possível.
Pode não parecer, mas, para as crianças e para os adolescentes, essa relação com tias e tios pode ser extremamente educativa e benéfica, mesmo quando ocorre frequentemente. E, para os pais deles, também. A nossa leitora, por exemplo, pode ajudar os pais de sua sobrinha de 16 anos a perceber que não há tanto problema com a filha quanto eles vêem. Isso pode alterar a direção do relacionamento que eles têm com a garota e com a imagem dela. E também com a garota, a tia poderia ter uma boa conversa que a levasse a uma maior compreensão e paciência com os pais dela. Afinal, os tios e as tias podem aborrecer os adolescentes bem menos que os pais, pois é mais fácil, para eles, ter conversas menos moralizantes, não é verdade?
Do mesmo modo, os tios também podem ajudar quando percebem dificuldades dos sobrinhos que os pais não conseguem ver -e isso é bem mais comum do que se pode imaginar. Os pais, muitas vezes tão envolvidos com a rotina estafante dos cuidados e das preocupações diárias com os filhos e com o trabalho, não se dão conta de alguns sinais que os filhos expressam e que são, na verdade, puro pedido de socorro de quem enfrenta problemas e não consegue resolvê-los sozinho, sem a ajuda de algum adulto. Nesses casos, os tios podem tanto intervir diretamente no problema do sobrinho quanto alertar os pais para que eles tomem alguma atitude que se faça necessária.
E não se pode esquecer também que é bem difícil passar pela adolescência sem arrumar alguma boa encrenca. E, nessas horas, contar com um adulto que possa acolher o jovem com seu problema difícil e ajudá-lo a entender a situação por completo, com afetividade e respeito à autonomia e ao direito à privacidade que ele tem, principalmente em relação aos pais, e ampará-lo na solução tomada, mesmo que difícil, é muito reconfortante. Por isso, caros jovens, não se esqueçam das tias e dos tios -os de sangue, claro- na hora de sufoco. E, caros pais, incentivem e respeitem essa relação tão especial e, de preferência, com o ciúme usual sob controle, por favor.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
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