Com a bênção de Quino!
Fenômeno em 15 países, a chargista argentina Maitena tem seu ácido universo feminino lançado no Brasil
Cassiano Elek Machado
Já se sabe desde os velhos tempos de Thomas Hobbes que "o homem é o lobo do homem". Mas sob alguns aspectos, os machos não somos mais que cordeirinhos. Muito mais lobas de si mesmas são as mulheres. Há pelo menos dez anos que uma delas vem demonstrando isso com louvor (e humor), em histórias em quadrinhos espalhadas por mais de 15 países do globo.
Ela fica aqui na vizinhança, dividindo sua morada entre Argentina e Uruguai, mas o Brasil ainda não havia se dado conta. Sucesso na França, Itália, Espanha e toda a América Latina, o humor da portenha Maitena agora desembarca por aqui. A editora Rocco lança no dia 3 de fevereiro o livro "Mulheres Alteradas 1", no qual a chargista de 40 anos "depila" sem dó o universo feminino. Loucas por liquidação, neuróticas com invisíveis barriguinhas, poços de TPM, mas adoráveis, as meninas, moças, balzaquianas e até senhoras de Maitena são impiedosas consigo mesmas.
Como define Quino, autor de "Mafalda" e "padrinho" da desenhista, "ela não pretende ser um "espelho que reflita a realidade". Ao contrário: ela agarra a realidade, com espelho e tudo, e atira em nossa cabeça". Que protejam os côcos as Amélias, as mulheres de verdade.
Leia a seguir trechos de entrevista dada pela desenhista, por telefone, de Angoulême, na França, onde participava do principal festival de HQs do mundo.
Folha - Por que são "alteradas" as suas mulheres?
Maitena - O problema principal é que as mulheres hoje temos muitas frentes de combate abertas. Queremos fazer muitas coisas e fazê-las bem, somos perfeccionistas. Como não é possível fazer tudo bem, terminamos alteradas. Além disso, temos a diferença de termos a nossa neurose mais à flor da pele do que os homens. Gritamos, choramos, somos muito expressivas, por isso parecemos mais loucas. Os homens não choram, não gritam, mas têm úlcera, azia, alcoolismo.
Folha - Suas HQs satirizam defeitos das mulheres, mas sem um enfoque especificamente crítico. Você acha que elas deveriam ser diferentes do que são?
Maitena - Não. Talvez poderíamos ser mais felizes se mudássemos, mas não creio que possamos mudar. Se isso acontecer vai levar muitos e muitos anos.
Folha - Quais são as principais diferenças de homens e mulheres?
Maitena - As mulheres falam muito mais. E sempre falam do que eu chamo de "o nosso", temos um relação muito próxima com a problemática feminina. É um discurso próprio sobre nós que os homens não têm. Os homens falam do que está fora deles. Para eles é muito mais custoso falar sobre homens.
Folha - Quais são as coisas que os homens têm mais dificuldade de entender das mulheres?
Maitena - Esse é um erro masculino. Não queremos ser entendidas, queremos ser queridas como somos. Em geral, o que mais pesa para o homem entender é a mudança de humor. Como podemos estar com tudo ótimo e de uma hora para outra ficar péssimas?
Folha - Sua obra está publicada em mais de 15 países. As mulheres desses lugares são todas iguais?
Maitena - Esse é um velho bordão dos homens, de que as mulheres são iguais em todo o mundo. Eu sempre combatia essa idéia. Mas com o retorno que tenho das minhas histórias mundo afora, começo a pensar que eles tinham razão. Somos todas iguais. Bem, falando mais sério, é claro que não somos todas iguais. Mas acontecem conosco as mesmas coisas. Em todo o mundo, ainda que não sejamos iguais, somos felizes e nos angustiamos pelas mesmas coisas.
Folha - Qual é sua posição com relação ao feminismo?
Maitena - Não acredito que meu trabalho tenha nada de feminista. Não faço uma defesa de gênero. Pelo contrário. Jogo muito duro com as mulheres. Mesmo os homens inteligentes não me consideram feminista. Existem homens inteligentes e sensíveis, inclusive alguns que não são gays.
É importante dizer que não faço o trabalho pensando nas mulheres. Busco o encontro, e não o desencontro, o sexismo.
Folha - Ainda existe feminismo?
Maitena - Sim. É um termo muito desgastado e eu não sou nada ativista, reconheço que se não fosse o feminismo estaríamos todas passando roupas no quartinho. Por isso me irrita muito ouvir meninas de 20 anos chamando feminismo de antiguidade.
Folha - Você é sempre comparada com Quino, de Mafalda, mas ele é muito mais político, não?
Maitena - É verdade. Eu me interesso pelas relações de poder cotidianas. Mas nunca perderia um minuto da minha vida para desenhar o Carlos Menem.
Alteradas? Não, normais
Nina Lemos
Desenhar quadrinhos, mexer no controle remoto do DVD e jogar videogame costumam, teoricamente, ser coisas de homem. Bem, a argentina Maitena está aí para quebrar o monopólio, falando de si própria e rindo de tudo isso com as suas "Mulheres Alteradas". A grande história é que as garotas alteradas não são alteradas coisa nenhuma. São equilibradíssimas, como qualquer outra garota- sujeitas a momentos de histeria, paranóias sobre os penteados e pensamentos sobre homens. Mais normais, impossível.
A "alterada" vive comprando roupas que não vai usar, xampu caro e vinho barato e sofre do maior mal da humanidade: culpa. Sente-se mal quando está com a roupa errada e quando descobre que um ex delas casou com uma gostosa. Que garota de classe média não sofre com esses problemas "seríssimos"?
A piadista Maitena acerta com suas sacadas neofeministas. Mas derrapa quando fala de casamento e filhos - nesses casos, é careta. Vai à praia e fica preocupada com o sumiço do marido e é casada com homens que esquecem o seu aniversário. Será que não dá para ser casada e feliz ao mesmo tempo em que se é mulher? Maitena parece achar que não. A linha "casamento é péssimo" adotada pela autora parece um pouco com piada machista de homem que fica rindo no botequim falando que nunca vai ter uma "rádio-patroa".
Mesmo assim Maitena leva vantagem sobre muitas de suas colegas de humor pós-feminista, como Bridget Jones e quetais. As garotas argentinas pelo menos não acreditam em príncipe encantado -o que já é, sem dúvida, uma grande vantagem. Coisa de mulher não alterada e, sim, um pouco menos alucinada...
Maitena na net
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