98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

19.12.02

eu nasci em 1970.

e vivi a minha infância com medo de polícia. os anos eram difíceis. meu pai mandava: "não repita na rua o que você ouve em casa" e dizia para eu não fazer amizade com a filha de jarbas vasconcelos, atual governador de pernambuco, que estudava no meu colégio. ela era filha de subversivo.

de repente todo mundo vestiu amarelo e gritou diretas-já. fiquei alheia ao processo, acho que eu tinha uns 14 anos. só lembro que não precisei ir para o colégio quando tancredo morreu e achei bom o feriado. disso sobrou uma antipatia infinita pela música coração de estudante.

aí eu lembro do povo agora ser fiscal do sarney. e das prateleiras vazias do supermercado. meu pai pegava o carro e ia cada vez mais longe para conseguir comprar carne e leite em pó importado (que diziam estar contaminado por chernobyl). e o povo desanimou daquela história de acreditar no presidente bigodudo. e começaram a cortar zeros do dinheiro.

então veio aquele de quem não se fala o nome. gente morreu de desespero, gente se suicidou por conta do dinheiro que ele roubou. devolveu depois, mas que roubou, roubou. pegar emprestado sem pedir é roubo, me ensinaram quando eu era criança. na tv, casamentos que não aconteceram pq o dinheiro estava na poupança. festas. cirurgias. viagens. casas que não foram compradas, o caos. e cortaram mais três zeros de novo. e tome escândalo e disse-que-disse. e o cara ainda pediu para a gente vestir verdamarelo. deu no que deu: todo mundo de preto. aí foi lindo e a esperança dessa budega dar certo correu de novo por estas terras. e tome faltar aula para fazer passeata: estou sendo cidadão e ainda fujo da escola, beleza. (menos eu, que morro de medo de multidões. fiquei no meu canto passando vontade.) e quando a gente fazia compra no cartão de crédito, quem lembra que tinha juros de 40%? eu lembro.

tomou posse o presidente namorador. aquele, da modelo sem calcinha. que pareceu botar em ordem e a esperança não tinha nem desmaiado: o povo danou a comprar dólar (eu, inclusive, cheguei a comprar um tiquinho. coisa ridícula) e a viajar para o exterior. minha irmã foi para a europa, eu não fui. mas tinha uma poupancinha bamerindus (aquela que começava com 30 reais) e podia viajar para ver fred sem pedir ajuda à minha mãe.

e chegou o sociólogo. como diz angeli, o boca de suvaco. afundou quem era funcionário público. minha irmã hoje depende de ajudinhas da minha mãe para segurar os 30 dias do mês. coisa feia. e a esperança foi dormir. e assim se passaram oito anos, quase sem a gente perceber.

chegando a eleição, dona regina disse que tinha medo. eu também. eu tenho medo que a esperança canse desse esconde-esconde e vá embora um dia. mas agora não, que tem uma estrela brilhando no peito da gente. e que lula, que conseguiu fazer o medo se esconder embaixo da cama, consiga estar à altura dos nossos sonhos. porque, sinceramente, quem vive de promessa é santo.