98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

1.8.03

eu já disse que adoro a adriana falcão? pois adoro. olha o que ela escreveu no globo de hoje!

ps: eu sei que estou comentando demais o globo. mas é que hoje o jornal tá recheado!


Quando eu escrevo...

... um texto para ser publicado, como este que estou escrevendo, sempre me ocorrem as mesmas sete idéias, nesta exata ordem:

1 — Não vou conseguir.
2 — Toda vez eu penso isso.
3 — E se eu ligar para o cara e disser que tive uma crise renal?
4 — Toda vez eu também penso isso.
5 — Bem que eu podia encontrar um texto guardado que não serviu para outra coisa e servisse para eu usar aqui.
6 — Toda vez eu procuro e não encontro.
7 — E se eu me matar?

E quando eu resolvo não me matar é que começa o desespero. Pronto. Acabou a enganação. Foi desta vez. Deu-se a tragédia. Agora vão descobrir que eu não sei escrever, nunca soube, que eu sou uma impostora, que só deu mais ou menos certo até aqui por pura sorte, e sorte acaba, minha filha, uma hora não cola mais, chegou a hora. Sujou. É o fim. Fui delatada. Por mim mesma. Pela minha incompetência. Bem feito.
No começo, “vou pensar em outra coisa” resolvia, por alguns minutos. Infelizmente, os minutos passam.
O apoio dos entes mais queridos, justiça seja feita, foi fundamental.
— Que bonitinho!
— Eu fico imaginando o trabalho que você teve pra escrever essas palavras todas.
— Dá uma ótima ilustração.
— A idéia não é ruim, mas podia ser mais bem desenvolvida.
— Que idéia?
“Ninguém é obrigado a escrever bem” foi argumento bastante utilizado, sempre seguido do contra-argumento “quem não escreve bem, não publica, ora.”
A tática “A raposa e as uvas” ajudou algumas vezes. “Escrever não é a única coisa que existe no mundo. Fazer velas deve dar mais dinheiro.”
Como eu também não sei fazer velas, logo volta a agonia. Imagino os amigos com pena de mim. Pedras. Vaias. Tomates. As minhas filhas tirando par ou ímpar para decidir quem terá a ingrata incumbência de sugerir: “Por que você não tenta outra coisa enquanto ainda não está tão velha assim?”
Não sei se essa insegurança é comum a todo aquele que escreve ou se é problema só meu. Insanidade mental. Uma leve impressão de que, o que quer que eu tenha a dizer, é melhor calar. Aliás, minhas leves impressões não interessam a ninguém. Aliás, quem sou para escrever “minhas leves impressões não interessam a ninguém”, se pode ser até que elas interessem a alguém, quem sabe?
Estou perdida.
Ultimamente, até autorização para filha sair mais cedo da escola me deixa nervosa.
E o pior, para mim e para vocês, é que, como eu não tive coragem de inventar uma desculpa para o cara, e não me matei, na falta de texto guardado que servisse para usar aqui, vai esse mesmo. Pronto. Acabou a enganação. Foi desta vez. Deu-se a tragédia.

ADRIANA FALCÃO é romancista, cronista, autora de “A máquina"

vários autores escreveram textos com o começo "Quando eu escrevo". Quer ler mais? clique aqui.