98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

12.3.03

Oito normas de conduta cotidiana para o cidadão moderno
por Contardo Calligaris*

1. Você pode escolher entre ficar em casa ou pegar a estrada e, sem dúvida, faz e fará um pouco dos dois. Mas, quando estiver em casa, tente não sonhar com a estrada e, quando estiver na estrada, tente não lamentar o calor do lar. Vivemos de sonhos e de nostalgias: é necessário cuidar para que essa alternância não nos mantenha constantemente afastados do momento presente.

2. Quando alguém pedir esmola ou ajuda, dê (na medida de seu possível) o que está sendo pedido. Não tente moldar o desejo de quem pede, oferecendo pão e leite em vez do trocado. A humanidade dos mais desprovidos se refugia e resiste justamente na capacidade de continuar desejando o supérfluo.

3. Todos os pedidos podem ser recusados, mas devem ser, ao menos, reconhecidos. Portanto é proibido recusar sem falar.

4. Trate como íntimo só quem poderia sem riscos lhe devolver a mesma cordialidade.

5. Caso você pretenda mudar o mundo, lembre-se de que, provavelmente, você não está à altura do mundo mudado segundo seu desejo. Se pretende transformar seu parceiro ou sua parceira, lembre-se de que você, provavelmente, não está à altura do parceiro ou parceira assim transformados. Quem quer mudar as coisas facilmente esquece de contar-se entre os itens a serem mudados.

6. Qual é a melhor viagem: visitar as capitais européias num “tour” de 15 dias ou passar duas semanas numa cidade só e conhecê-la um pouco? É mais interessante manter um casamento complicado do que multiplicar as ou os amantes. O mesmo vale para os amigos e relações em geral.

7. Uma vez por semana, durante uma hora, sente-se numa esquina de sua cidade e contemple os passantes. Tente imaginar a variedade das vidas, a dignidade de todas. Se você tem filhos, faça o exercício duas vezes por semana: será de grande ajuda para aceitar que a vida deles vale a pena, mesmo se não corresponde em nada aos seus sonhos.

8. Considere como verdade absoluta que é possível ter uma vida boa e justa sem acreditar numa verdade absoluta.

*publicado originalmente no suplemento “Mais!”, da Folha de S.Paulo, de 13/10/2002.