98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

10.2.03

Danuza Leão - Folha de São Paulo, ontem

Fome zero com dez filhos?

Ninguém pode negar que, apesar de meio confuso, o governo Lula está cheio de boas intenções.
Se esforçou para que o Brasil entendesse que o Fome Zero não é apenas um programa assistencial para dar comida a quem tem fome - até porque este problema vai se apresentar três vezes por dia até o fim do mundo -, mas que, aprendendo, até os mais pobres vão poder viver melhor. Demorou, mas o Brasil entendeu.
O projeto é ambicioso: passa pela educação, pelo primeiro emprego, pela saúde, pela reforma agrária etc., e vários ministérios e secretarias foram criados para que o futuro dos brasileiros carentes seja menos miserável.
Tudo muito louvável.
Mas quem viu nos jornais e na televisão os habitantes de Guaribas morando em casebres com chão de terra batida, sem esgoto e sem água, e as pobres vítimas das enchentes tendo que deixar seus barracos desmoronados, pode ver que eles têm algo mais em comum, além da miséria: uma grande quantidade de filhos. Com tantas reuniões, tantos programas, tão bons propósitos, ficou faltando ao novo governo falar do controle da natalidade.
Em cada família são 6, 8 ou 10 crianças, e quanto mais pobres elas são, mais filhos têm. Matar a fome, educar e arranjar um primeiro emprego para cada um deles já vai ser difícil. Inclusão social? Pode ser, mas para daqui a quantos anos? 50? Aí eles terão se multiplicado a tal ponto que vai ser ainda pior - ou impossível.
Nunca ninguém explicou a uma mulher de Guaribas que é possível decidir quantos filhos ela quer ter: 10 ou nenhum. Ela não sabe, e também nunca ouviu falar que com menos filhos poderá ter uma qualidade de vida melhor e até trabalhar para ajudar a alimentar a família.
Um programa desses teria ser feito em duas etapas: na primeira, mais educativa, alguém - os tais agentes - para dizer que existem opções, deixando claro que a escolha final é dela. Esse seria um programa trabalhoso, a ser implantado cuidadosamente. Vai demorar, botar na cabeça dessas mulheres que elas têm esse direito, talvez o primeiro da vida delas.
Na segunda fase - se ela estiver interessada - um agente do posto de saúde do município explicaria os vários procedimentos possíveis e forneceria os meios para que as mais pobres e menos esclarecidas tenham tanto direito a fazer seu planejamento quanto as outras, que têm informação e os meios suficientes para comprar a pílula ou usar um diu. As escolhas são muitas e variadas, e que fique bem claro: ninguém está falando em laqueadura geral.

Os países mais pobres não podem ter a ilusão de resolver seus problemas correndo o risco de ver sua população dobrada ou triplicada em alguns anos.
E comida para toda essa gente? E trabalho? Não dá para não pensar: sem o controle da natalidade ninguém vai dar jeito no país.
Primeiro, as mulheres têm que saber; depois, elas decidem o que querem, e de que jeito.
Não vai existir cidadania enquanto a panela estiver vazia e um punhado de crianças descalças, analfabetas e sub alimentadas passarem o dia sentadas no chão de terra, sem nenhuma perspectiva de futuro.