98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

19.5.02

Mascando Clichê, coluna de Sérgio Rodrigues, no JB Online


Senna tinha razão

No começo da minha carreira, fui repórter de Fórmula 1 aqui no JB. Isso costumava ser motivo de orgulho. Os dois anos em que acompanhei de perto todas as corridas do campeonato, respirando fumaça e torturando os tímpanos pelos padoques do mundo, foram especiais: em 87, Piquet sagrou-se tricampeão; em 88, Senna conquistou o primeiro de seus três títulos. Não era sem razão que eu me sentia, além de privilegiado por ter estado lá, um pouco pé-quente também. Mas desde o último domingo, se me perguntarem se fiz parte do circo, estou disposto a negar na maior cara-de-pau: ''Não era eu, era um xará, aquele que faz cadeiras''. Melhor mentir do que tentar defender o indefensável.

Quando alguém dizia, na época, que a Fórmula 1 não era um esporte, eu pensava: ''Chato''. Debater sutilezas semânticas já era um passatempo que me agradava, mas essa discussão me parecia bizantina. ''Xadrez é jogo, mas não é esporte. Esporte exige esforço físico'', sempre aparecia uma mala com a tese. ''Como no automobilismo o esforço é do carro, não do piloto...'', concluía, triunfal. E eu voltava a pensar: ''Chato, além de ignorante: não sabe que controlar um foguete daqueles por duas horas é uma proeza física digna de Sansão''. No entanto, depois da lambança que a Ferrari fez na Áustria, começo a concordar com o argumento, embora não pelas mesmas razões. Talvez a Fórmula 1 já não seja um esporte. O gigantismo do negócio pode provocar isso.

Não se trata de romantismo. Todo esporte é também um negócio, claro, mas só permanecerá digno de ser chamado esporte enquanto, no campo da luta, as velhas regras do mérito não forem atropeladas pelas do lucro. É simples assim. E não venham os pragmáticos de plantão dizer que ''jogo de equipe'' - como a Ferrari chama a indignidade que cometeu - sempre houve. Não daquele jeito, com o campeonato no começo. Se Felipe Massa ainda tem chances matemáticas de ser campeão, o que dizer de Rubens Barrichello? Ninguém pode ser privado dessa maneira do direito de vencer - não quando se trata de um esporte. Humilhação? Pior do que isso. Ao ser tungado em quatro pontos no dia em que fez a melhor corrida de sua vida, Rubinho foi emasculado diante do mundo. Não é uma coisa bonita de se ver.

A Ferrari deu um tiro no coração do esporte, que agora agoniza em praça pública. Resta, para quem ainda for capaz de se interessar por aquilo, um negócio caro, perigoso, barulhento. E só. A primeira coisa que me veio à cabeça foi uma frase de Senna: ''A Fórmula 1 é um meio nojento''. A segunda: ainda bem que ele não está aqui para testemunhar isso. Senna, além de gênio, era um esportista radical. Teria sofrido demais vendo a nojeira - que sempre existiu nos bastidores - transbordar tão cinicamente para a pista. Quando disse que o ambiente do esporte que amava era nojento, tinha lágrimas nos olhos. Acabava de perder o GP da Espanha de 88 para seu companheiro de equipe, Alain Prost, e estava convencido de que o rendimento pífio de seu carro fora provocado pela própria McLaren para evitar que ele conquistasse o título prematuramente, o que seria ruim para os lucros. Então o negócio já tentava assassinar o esporte? Tentava. Mas Senna foi campeão mesmo assim, o esporte sobreviveu.

A chance de sobrevivência agora é remota, mas vale imaginar a hipótese. Schumacher, por alguma razão, se vê impedido de correr (não lhe desejo mal, trata-se de uma hipótese; digamos que ele passe seis meses na cadeia por sonegar impostos ou coisa assim). Rubinho torna-se a única chance da Ferrari e... perde o título para Montoya! Por três míseros pontinhos - que beleza! Imagino Senna, onde quer que ele esteja, sorrindo feliz.

especialmente para a Gil