98 Telinha e seus gatinhos

no dia que eu me zangar
mato voce de carinho

Ze´ Limeira

8.4.02

A mulher da legenda
[por Paulo Sampaio]

Nome: Monika Pecegueiro do Amaral
Idade: 40
Profissão:tradutora
Estado civil: solteira
Experiência: já traduziu e legendou mais de 400 filmes em 11 anos de carreira

Monika Pecegueiro do Amaral - se você é fã de cinema, sabe que já viu esse nome em algum lugar. Ele costuma aparecer no final de muitos filmes, identificando a responsável pela tradução. Em 11 anos no ramo, Monika já traduziu mais de 400 filmes, entre eles "Pulp Fiction", "O Paciente Inglês", "Terra de Ninguém" e "13 Fantasmas". "Sou apaixonada por cinema. Nunca gostei de tradução técnica, meu negócio é ficção", diz a tradutora, que se formou em letras na PUC do Rio, fez pós-graduação na Califórnia e passou um tempo na Malásia, escrevendo um livro de poesias. Foi quando Monica virou Monika, já que o "c", em malaio, tem som de "ch". Ela não esconde um certo orgulho por ver os filmes em primeira mão, mas conta: "Você não sabe o esquema deles para a gente manter o sigilo. A imagem na fita de VHS é atravessada de vez em quando por umas barras a laser e um selinho que sobe e desce e dá o aviso -qualquer tentativa de reprodução desta fita será eletronicamente registrada".

Qual o principal atributo de um tradutor?
Ele tem de ser um bom escritor, porque seu trabalho é um pouco reescrever a obra. E saber muito bem português, ter um amplo vocabulário. Fiz letras na PUC e pós-graduação na Universidade de Santa Bárbara. Estudei a fundo Camões, Eça, Machado, essa "tchurma".

Como é feita a tradução de um filme?
Tem de tudo. Do perfeito ao mais precário. No perfeito, você recebe um roteiro impresso, com os diálogos e a continuidade e uma cópia em VHS. No mais precário, você recebe só o roteiro, vê na cabine e faz a pietagem.

Pietagem?
É preciso medir quanto tempo uma legenda fica na tela. A legenda não pode vazar no fotograma seguinte. Nos filmes do Woody Allen, por exemplo, que é uma metralhadora giratória linguística, uma porção de gente fala ao mesmo tempo. O trabalho de concisão é importantíssimo.

Como você faz?
É preciso jogo de cintura. Em vez da voz passiva, a gente usa a ativa. No lugar de "talvez ele tivesse viajado" usamos "vai ver, viajou". Não se pode esquecer que uma legenda fica cerca de um segundo na tela.

Quanto tempo você demora para traduzir?
Cinema é sempre para ontem. No mercado literário, você tem oito meses, um ano, para traduzir um livro. Para filme, o normal é um mês. Agora, em um festival que tem 300 filmes, é comum fazer dois em um fim de semana.

Quantos você já traduziu?
Cerca de 400, em 11 anos. No momento, estou com quatro e entreguei "Lilo & Stitch", da Disney.

Você ganha bem?
O preço é tabelado pelo Sindicato Nacional dos Tradutores, não tem estrelismo. São R$ 80 por rolo: o equivalente a R$ 800 em um filme padrão. Mas há milhões de pessoas se oferecendo para traduzir por um terço desse valor.

É por isso que a gente vê tantos erros?
Também. Mas, muitas vezes, existe uma disparidade entre o que está escrito no roteiro e o que o ator diz na tela.

Quais os erros mais comuns?
Os que envolvem números. O ator diz "Tenho mais dez anos de vida na Terra" e na legenda aparece 20. Em alguns filmes, o roteiro final foi revisado ou há erro de digitação.

Além do português, você tem de dominar a outra língua e também os costumes daquele povo...
Há filmes que exigem uma pesquisa imensa. Mas é a parte de que mais gosto: santa internet! Antes, a gente tinha que ouvir o tio general da cunhada para traduzir um filme de guerra. Agora, é mais fácil -se bem que eu quase enlouqueci com "Nixon" e aquela hierarquia de comitês, cargos e comissões. Em "Terra de Ninguém", fala-se inglês, francês e bósnio. Só que o roteiro em inglês não vinha com as falas em inglês. O de francês, também. Eu tive que cruzar os dois, uma loucura.

E o palavrão?
Tudo depende da censura e do filme. Se for um Tarantino, que usa "motherfucker" como vírgula, vou traduzir como? "Que droga!"? Quando o filme é censura livre, uso expressões como "carácoles", que as crianças entendem e adoram. Em casos em que o cara está arrombando um cofre e diz "Fuck!", não coloco nada, porque aquilo é uma interjeição.

Qual o caso mais engraçado?
Foi em "Grande Hotel - Cinco Estrelas", um filme de quatro episódios de diferentes cineastas. Num deles, o Antonio Banderas usa 40 termos diferentes para pênis. Eu, que tenho um pai e dois irmãos, só consegui juntar uns 15. Quem me salvou foi o dicionário do palavrão.

E as piadas intraduzíveis?
Nem me diga. Peguei outro dia um filme chamado "Não é Apenas Mais Um Filme para Adolescentes", que, a princípio, não seria difícil, mas que me levou a realizar sete traduções diferentes -até ficar "adolescente" o suficiente.

Quem dá os títulos?
Pelo amor de Deus: põe aí que não é responsabilidade do tradutor. A gente no máximo sugere, mas o distribuidor acaba preferindo algo mais chamativo, para cativar o público. Mais ou menos como o editor em um jornal, entendeu?

Revista da Folha