de doer a alma...
Macabra civilização - França briga por restos de africana
Suzanne Daley, The New York Times
PARIS - O Senado francês encerrou um capítulo sórdido da história colonial européia ao aprovar, esta semana, a devolução à África do Sul dos restos mortais de Saartjie Baartman, a Venus Hotentote, jovem khoikhoi tratada como atração de circo na Europa, exposta nua nas ruas como símbolo da superioridade da raça branca. Morta em 1815, ela teve seu esqueleto, cérebro e órgãos genitais retirados e expostos em jarras até 1976, no Musée de L'Homme, em Paris.
Exposta nua à platéias interessadas em ver as nádegas salientes e grande órgão genital, Baartman morreu pobre tuberculosa e sifilítica. Sem direito a enterro. Foi dissecada e refeita em gesso pelo médico-chefe de Napoleão. ''Essa mulher foi tratada como se fosse alguma coisa monstruosa. Mas qual era a verdadeira monstruosidade?'', perguntava Nicolas About, senador autor do projeto.
Com o fim do apartheid, resgatar o corpo de Saartjie virou objetivo para a África do Sul, interessada em liquidar a metáfora do acontecido ao país em séculos de conquistas. O ex-presidente Nelson Mandela bem que tentou, pedindo ao presidente François Miterrand uma ajuda em 1994. Dois anos depois, o primeiro-ministro Alfred Nzo repetiria, formalmente, o pedido. Em vão. ''A restauração da nossa dignidade e humanidade não será completada enquanto Saartjie Baartmans estiver naquele museu'', justificou Nzo.
Representantes do governo sul-africano se disseram surpresos ontem com o caso de Baartman caminhando rumo a um final digno. Já há até uma data prevista para o retorno, dia 19 de fevereiro. Mas não será tão fácil. O governo da França teme que a decisão abra as portas para requisições de outros países.
Briga - O Senado classifica tal comportamento como ''uma luta entre a incompetência e o absurdo''. Funcionários do governo Chirac, que pedem anonimato, sustentam que a autorização de remessa será negada por um detalhe burocrático. ''Não há um pedido formal da África do Sul desta vez, por isso nada pode ser feito'', dizem.
Jean Le Garrec, chefe do comitê de assuntos culturais da Assembléia Nacional duvida. ''Isso tinha de acontecer'', afirmou ele, que quando criança foi levado pelos pais para ver o molde de gesso da Vênus hotentote. ''Aquilo me fez muito mal'', lembra. Os restos foram retirados da exposição pública em 1976. Segundo os senadores não têm serventia científica.
Não se sabe muito a respeito da história de Saartjie Baartman antes de sua ida, de navio, para a Inglaterra. Ela nasceu no fim do século 18, em Eastern Cape e mudou-se aos 20 anos para um barraco nas cercanias de Cape Town, onde conheceu um médico inglês, William Dunlop, que a persuadiu a viajar à Inglaterra em 1810 com a promessa de fazer fortuna exibindo o corpo. Grupos anti-escravagistas pediram ao governo que suspendesse o show. Mas a corte de Londres entendeu que havia contrato entre ela e Dunlop.
Em 1814, ela foi levada para a França, num circo. Seu corpo foi analisado, antes e depois de morta, por cientistas, incluindo o cirurgião-geral de Napoleão, George Cuvier. Ele se interessou quando a viu numa festa da alta sociedade parisiense, nua, numa redoma, apresentada como uma ''exótica selvagem''.
JB Online, hoje.
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