Feelings - Luís Fernando Veríssimo
“AI” do Spielberg não é bom, aqueles extraterrestre no final são de matar (o Spielberg) e acho que o filme — como boa parte de toda a obra do diretor — se deve a uma fixação mal resolvida na mãe (dele). Mas talvez isso possa ser dito da obra de todo o mundo.
Vale a pena pensar numa questão que o filme sugere, nem sei se conscientemente, no entanto. O menino robô da história é um protótipo de crianças feitas para suprir o mercado de pais carentes, gente que quer substituir um filho perdido ou apenas ter alguém pequeno e amável em casa, mesmo que seja artificial. Para ser um bom filho, o robô precisa amar a sua mãe. O robô do Spielberg já vem com pilhas e com édipo instalado. Adora a sua mãe, que aprende a adorá-lo também, mas acaba tendo que largá-lo no mato (detalhes no próprio filme, acho que ainda está passando em algum lugar) como um gato que não se quer mais. Todo o resto do filme é sobre a sua volta para casa, como muitas vezes também fazem os gatos enjeitados. Os bichos voltam para onde são alimentados e cuidados. O que o pequeno robô pede a todos que parecem gostar dele é “Me proteja”. Ele ganhou a capacidade de amar para ser amado, e o que o amor da mãe e dos outros lhe assegura é a sobrevivência. A questão do filme, intencional ou não, é a da utilidade da emoção nas nossas vidas. Ou, sem sentimentalismo, para que serve sentimento?
Um robô perfeito seria o que tivesse tudo do ser humano menos a emoção debilitadora, o que o pouparia da dor, da desilusão e dos chamados instintos baixos, ou a emoção faria parte do kit de sobrevivência que asseguraria a sua perfeição? Todos nós (bem, quase todos) nos enternecemos com bebês porque os seres humanos nascem incompletos, com cérebros ainda em formação, e precisam ser protegidos. Eles serem adoráveis e nós os adorarmos é um estratagema da Natureza para defender a caixa craniana dos bebês até que ela acabe de fechar. Amor é o nome de fantasia do impulso sexual, sem o qual nenhum de nós estaria aqui. A alma — essa coisa indefinível que nos distinguiria dos bichos e das máquinas — é um acessório não-orgânico que garante a continuidade do organismo. Acrescentá-la a gente artificial seria uma precaução científica, para protegê-la, não uma recaída antropofílica.
Mas sempre haveria o risco de uma disfunção, como pode acontecer tanto com os sentimentos como com os circuitos. O filme termina com o pequeno robô, no fim da sua volta obsessiva para casa, na cama com a mãe. Com o Spielberg, implicitamente, no meio.
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